quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Armas e Espiritualidade

Mahabharata
Esta matéria é uma tentativa de esclarecer a confusão que algumas pessoas fazem entre espiritualidade e armas. Muitos acreditam que, por uma pessoa ser espiritualista, deve, necessariamente, ser a favor do desarmamento civil. Não há engano maior do que este, como veremos a seguir.

O espiritualista deve ser contra a violência. Este é um ponto. Outro ponto: todo indivíduo, espiritualista ou não, tem o sagrado direito à legítima defesa. Que fique bem claro: legítima defesa é uma coisa; violência gratuita é outra. Tenhamos discernimento e vejamos o que dizem algumas correntes espiritualistas.

Budismo e Ahimsa

O Budismo prega a chamada ahimsa (princípio da não violência). Gostaria de compartilhar alguns conceitos relativos à posição do Budismo sobre armas de fogo e direito de defesa, para nossa reflexão:

"Atacar com violência um malfeitor que lhe causa problemas ou está lhe atacando não porta o sentido de ‘malícia’, de ‘desejo de causar dano’, ‘desejo de causar mal’, mas, pura e simplesmente, de se preservar, preservar a terceiros ou preservar um bem que está sendo usurpado ou atacado. Em outras palavras, você pode dar um tiro em um assaltante ou em um estuprador e não ter ferido o princípio de ahimsa. Se eu mato um agressor, não o faço por ‘malícia’ ou pelo prazer de matar, mas sim por um estado de sobeja necessidade. Se meu país é invadido e minha casa é atacada, tenho o direito de me defender. Isso não é contra o princípio de ahimsa."

“Há um conceito equivocado entre as pessoas de que o Budismo seria “pacifista”, no pior sentido da palavra, ou seja, que advogaria a capitulação irrestrita diante do inimigo, sem oferecer qualquer resistência.  Tal postura não é verdadeira e se deve ao desconhecimento da Doutrina Budista (Dharma) por parte dos representantes de instituições e templos que, sendo eles mesmos partidários de ideologias políticas totalitárias de esquerda - ideologias estas que pregam o desarmamento da população para um domínio total, confortável e sem resistência  por parte do governo -, afirmam ser isso a ‘posição budista’, ou seja, misturam suas ideologias políticas com o Budismo e confundem a cabeça das pessoas que buscam por esclarecimento.” (André Otávio Assis Muniz, Arcebispo Presidente da Organização Religiosa Budista Tendai Hokke Ichijô Ryu do Brasil)

[Dharma: do sânscrito. Não há uma tradução exata. Significa aquilo que sustenta a verdade; a lei universal da verdade; conduta correta.]

Buda ensina que é deplorável toda guerra entre os homens; porém não condena os que guerreiam por uma causa justa, depois de haver esgotado todos os meios de conservar a paz. Dizem as escrituras sagradas do Budismo:

“O Buda ensina que o culpado merece castigo, e o digno de favor deve ser favorecido. Porém também ensina que não se deve fazer sofrer nenhum ser vivente, mas ter o coração cheio de compaixão e amor. Estes dois ensinamentos não são contraditórios, porque quem recebe castigo por seus crimes não sofre por maldade do juiz e sim em consequência de sua culpa. Suas más ações lhe acarretaram o mal que lhe inflige o executor da lei.”

“Aquele que luta pelo interesse egoísta de celebridade, grandeza, poderio ou riqueza, não receberá recompensa; porém, o que combate pela justiça e a verdade, receberá o galardão, porque será vitorioso, mesmo que sofra alguma derrota transitória antes do triunfo final.”

Assim se expressa André Otávio Assis Muniz, Arcebispo Presidente da Organização Budista Tendai Hokke Ichijô Ryu do Brasil (bacharel em Direito, atirador esportivo, membro da SASDE – Exército Brasileiro:

“Nós, atiradores e partidários do direito de legítima defesa, temos o amparo de todas as grandes tradições religiosas. E eles, os que querem a população desarmada e vitimizada, têm o apoio da mentira, da ignorância, da hipocrisia e do descaso pela vida."

Hinduísmo

Rama, guerreiro defensor das virtudes
A Índia Antiga, cuja tradição espiritual é incontestável, sendo conhecida inclusive como “o berço das religiões”, era, segundo os registros históricos, uma sociedade governada por guerreiros. Lembremos os clássicos espirituais, como o Ramayana, o Mahabharata etc. Estes épicos retratam os deuses em posição de luta, portando armas. Os ingênuos, então, perguntam onde fica a propalada ahimsa (não violência)?

Tomemos como exemplo a Batalha de Kurukshetra, descrita na Bhagavad Gita. O guerreiro, Arjuna, é aconselhado por ninguém menos do que o próprio Krishna (Avatar conhecido pelo poder do seu amor pelas pessoas e pelos animais). A guerra era contra os próprios parentes de Arjuna, cujo comportamento alheio ao padrão ético estava pondo em risco o equilíbrio da sociedade. Prestes a dar início à luta, Arjuna hesita ante o pensamento de que vai guerrear contra alguém do próprio sangue. É então que Krishna aparece, para encorajá-lo:

“Considerando seu dever específico de kshatriya (guerreiro), você deve saber que não há melhor ocupação para você do que lutar conforme determina seu dharma; e assim não há necessidade de hesitação. (...)Se, contudo, você não executar seu dever e não lutar, então certamente incorrerá em falta por negligenciar seus deveres e perderá sua reputação.” (Bhagavad Gita, Capítulo 2, versos 31, 32 e 33)

Cristianismo

Vamos ao Cristianismo. Jesus disse : "Não julgueis que vim trazer paz a Terra; não vim trazer-lhe paz, mas espada; porque vim separar o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; e os inimigos do homem serão os seus mesmos domésticos.” (Mateus, X: 34-36).

Entretanto, Jesus era contra a violência! Sim, mas precisamos entender dentro de nós uma verdade: os valores do espírito precisam ser defendidos, porque eles são a base da própria vida! Perante o espírito, não há pai, mãe, filho, sogra... são seres, apenas seres. O erro, o obscurantismo, a ausência de luz deve ser combatida, sim. Não importa se do outro lado está sua própria família. Estamos aqui falando da eterna luta entre trevas e luz. Nem Jesus nem ninguém está pregando aqui o assassinato da família. O que se prega é: “mantenha-se fiel aos princípios do espírito, ainda que precise discordar dos seus entes queridos!”

Representação de Jesus, expulsando os vendedores
com um chicote
Jesus era um pacifista, sim, mas de que forma ele expulsou os vendilhões do templo? Com afagos ou energicamente? Energicamente, é claro.

Como espiritualista que sou, sonho com um mundo sem guerras, quando enfim compreenderemos que somos todos um, e que o mal que pratico contra o próximo é contra a mim mesmo que estou ferindo. Isto não fere meu direito de proteger-me e proteger meus entes queridos.

Quem reagiria com gestos doces, vendo um marginal prestes a praticar um ato de violência contra um filho, um irmão, uma mãe, ou contra si mesmo? 

“As armas devem ser usadas em última instância, onde e quando os outros meios não bastem”, disse Maquiavel. Concordo. Entretanto, tudo é relativo. Tudo depende da situação. Um marginal que se aproxima enfurecido de você vai esperar para ouvir seus argumentos pacifistas? Dificilmente.


Constituição Pastoral Gaudium et Spes afirma categoricamente:

"Em um mundo marcado pelo mal e pelo pecado, existe o direito à legítima defesa por meio das armas.” 

“Esse direito pode tornar-se um dever grave para quem é responsável pela vida dos outros, pelo bem comum da família ou da comunidade civil.” 

Artes Marciais

Uma vez um mestre de karatê me disse algo que me fez refletir. Estava ele fazendo a demonstração de um golpe fatal. Fiquei horrorizada com o poder de violência que o corpo humano pode ter. Ante meu horror, ele disse o óbvio, ou seja, ante um ataque de um ser disposto a tirar a sua vida, você tem, sim, todo o direito de usar tudo o que você sabe para desativar o inimigo, inclusive aplicando-lhe um golpe mortal.

Por outro lado, há um código ético a reger as práticas marciais. Um comprometimento a jamais usá-las de maneira fútil e sim, em legítima defesa.

Política e Desarmamento

A estratégia política de desarmar a população, enquanto os marginais continuam armados até os dentes, é infame. Como se o Estado fosse capaz de nos dar uma proteção eficiente! 


Muitos talvez não saibam que a primeira medida adotada pelas ditaduras antes de serem implantadas é justamente o desarmamento da população. O objetivo é tirar do cidadão comum o direito de reação. Isto ocorreu, por exemplo, nos seguintes países:

Turquia, 1911: resultando em mais de 1,5 milhões de armênios caçados e exterminados.
União Soviética, 1929: cerca de 20 milhões de dissidentes exterminados pelo governo comunista.
China, 1935: 20 milhões de dissidentes políticos caçados e exterminados pelo governo comunista.
Alemanha, 1938: com a população desarmada, um ano antes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a consequência foi o extermínio de cerca de 13 milhões de judeus e outros “não arianos”, impossibilitados de se defender do governo nazista.
Camboja, 1956: 1 milhão de pessoas assassinadas pelo governo comunista.
Guatemala, 1964: massacre de mais de 100 mil índios Maias desarmados.
Uganda, 1970: cerca de 300 mil cristãos foram aniquilados pelo governo.

Defensores do direito ao porte de armas: George Washington, James Madison, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln…

Contrários ao porte de armas: Adolf Hitler, Stalin, Mao Tse-Tung, Kim Jong-II, Hugo Chaves, Lula.

Além disso, as estatísticas provam que o desarmamento da população, por si, não é capaz de reduzir a violência. Entretanto, sou a favor da posse responsável da arma, principalmente armas de fogo. Antecedentes criminais, exames psicotécnicos, treinamentos fazem-se necessários antes de conceder a posse de um revólver a alguém.

Relembremos, para encerrar, Benjamin Franklin: 


“Quando todas as armas forem de propriedade do governo, este decidirá de quem são as outras propriedades.” 

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