quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Somos Todos Gurus

Um amigo publicou esta enquete no Instagram: “Seguir gurus afeta na busca do autoconhecimento?” Aproveitei o link para escrever o que penso do tema.

Aqui no Ocidente existe um grande preconceito com relação a ter um guru, a seguir um guru. A grande maioria acha que isso é bobagem, ou que vai tirar nossa liberdade. Essa tendência cresce a cada vez que um falso guru é desmascarado. O fato é que não temos essa tradição oriental de eleger alguém para nos ajudar na nossa jornada espiritual. Consideramos isso desnecessário.

Na Índia, ter um guru é tão natural quanto ter um professor de matemática ou português. É ele que vai iniciar o aluno no caminho da espiritualidade, através de conversas, palestras, práticas de meditação.

Entretanto... há que ter um bom discernimento para distinguir um guru autêntico de um falso. O guru autêntico jamais estimulará a dependência do discípulo, pelo contrário; ele nos incitará à liberdade. O falso guru, inversamente, fará o que for possível para tornar seu seguidor um dependente dele. O guru autêntico nos ensina pelo exemplo, pela conduta reta, pelo caráter incorruptível. Ele é capaz de enxergar o nosso íntimo, as nossas virtudes, as nossas fraquezas e, assim, encaminhar nossos passos, com valiosos ensinamentos.

Na verdade, num sentido amplo, temos incontáveis gurus em nossa vida. Todo aquele que cruza nosso caminho e nos ensina algo novo, é, em última análise, um guru. Se estamos abertos, podemos aprender com tudo e com todos. E qualquer criatura, por mais ignorante que seja, tem algo a ensinar. Então, nesse aspecto, somos todos gurus.

Há um conto sufi maravilhoso, que transcrevo aqui, explicando melhor o que quero dizer. Chama-se “Ser Discípulo”:

Quando o grande místico sufi Hasan estava morrendo, alguém lhe perguntou:

- Hasan, quem foi seu mestre?

Ele respondeu:

- Tive milhares deles. Se apenas enumerasse seus nomes, levaria meses, anos, e agora é tarde demais. Mas certamente lhe contarei sobre três Mestres.

Um deles foi um ladrão.

Uma vez me perdi no deserto, e quando cheguei a uma aldeia já era muito tarde, tudo estava fechado. Mas finalmente encontrei um homem, que tentava fazer um buraco na parede de uma casa.

Perguntei-lhe onde poderia ficar, e ele respondeu:

- A esta hora da noite será difícil, mas pode ficar comigo se for capaz de ficar com um ladrão!

E o homem era tão harmonioso - fiquei por um mês! E toda noite ele dizia:

- Estou indo agora a meu trabalho. Vá descansar e rezar.

E quando ele voltava, eu lhe perguntava:

- Conseguiu algo? - e ele respondia:

- Esta noite não. Mas amanhã tentarei novamente, e se Deus quiser...

Ele nunca se desesperava, e estava sempre feliz.

Quando eu meditava e meditava por anos a fio,

e nada me acontecia, muitas vezes havia momentos

em que ficava tão desesperado, tão sem esperanças, que pensava em parar com toda aquela bobagem. E de repente me lembrava do ladrão que toda noite dizia: “Se Deus quiser, amanhã vai acontecer”.

E meu segundo mestre foi um cachorro.

Eu me dirigia a um rio, sedento, e um cachorro apareceu, também com sede. Olhou para o rio, vendo lá outro cachorro - sua própria imagem - e ficou com medo.

Ele latia e se afastava correndo, mas sua sede era tamanha que acabava voltando.

Finalmente, apesar do medo, simplesmente pulou na água, e a imagem desapareceu.

E eu sabia que aquela era uma mensagem de Deus para mim:

“Devemos dar o salto, apesar de nossos receios.”

E o terceiro Mestre foi uma pequena criança.

Cheguei numa cidade, e uma criança estava carregando uma vela acesa. Ela se dirigia à mesquita, para lá depositar a vela. Apenas por brincadeira, perguntei ao menino :

- Você mesmo acendeu a vela?

Ele respondeu:

- Sim, senhor.

E continuei:

- Houve um momento em que a vela esteve apagada,

depois houve outro em que ela se acendeu. Você pode me mostrar a fonte da qual a luz veio?

E o menino riu, assoprou a vela, e disse:

- Agora você viu a luz se indo. Para onde ela foi? Diga-me!

Meu ego e todo o meu conhecimento ficaram despedaçados.

E naquele momento senti minha própria estupidez.

Desde então abandonei toda a minha erudição.

É verdade que não tive Mestre. Mas isso não significa que não fui discípulo - aceitei toda a existência como minha Mestra.

Confiei nas nuvens, nas árvores... na existência como tal.

Não tive Mestre porque tive milhares deles - aprendi de todas as fontes possíveis.

Ser discípulo é uma necessidade absoluta no caminho.

O que significa ser discípulo?

Significa ser capaz de aprender, estar disposto a aprender, ser vulnerável à existência.

Com um Mestre você começa aprendendo a aprender... e muito lentamente você entra em sintonia e percebe que, da mesma maneira, pode entrar em sintonia com toda a existência.

O Mestre é uma piscina onde você pode aprender a nadar. E quando aprende, todos os oceanos são seus...

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