quinta-feira, 4 de junho de 2020

Pandemia do ruído


“A ignorância grita, a inteligência fala e a sabedoria é silenciosa.” 

(Provérbio Zen)

“Você sente a presença de Deus quando o silêncio reina. Na excitação e na confusão do mercado, você não pode ouvir Seu Passo. Ele é o Som Fundamental (Shabdabrahma) ressoando quando tudo mais está preenchido pelo silêncio.”

 (Sathya Sai Baba)

Alguns estudiosos e críticos vêm alertando para essa enxurrada de informação onde estamos todos mergulhados hoje, com a facilidade de acesso à internet e suas redes sociais, onde qualquer um (bastando ter um smartphone ou acessar uma simples lan house) pode falar, opinar, compartilhar conteúdos próprios ou repassados, e jogar na web verdades, meias-verdades, fantasias e mentiras (as chamadas fake news), inocente ou maliciosamente.

Acabo de ler um texto onde o autor batiza de “pandemia mental” a nossa rede de informações. Sim, concordo que estamos vivendo essa “pandemia mental”. Talvez eu vá até mais longe e chame a nossa Babel de “pandemia da inconsciência coletiva”.

Tempos de comunicação frenética, tempos de fantasia... Seria a internet uma bolha de verdade cercada de ilusão por todos os lados? Ou seria uma grande bolha de ilusão, cercada de verdades que não acessamos ou não queremos ver?

Estamos num nítido descompasso. Desenvolvemos o intelecto sem nos empenharmos em desenvolver seu contraponto fundamental: a consciência. Temos em mãos uma tecnologia com a qual jamais sonharíamos 30 anos atrás. E o que fazemos com ela? Somos usados por ela. Somos como crianças deslumbradas com o brinquedo novo. Usando o brinquedo novo inconsequentemente, ao bel-prazer. Daí as distorções. Como nossa consciência é subdesenvolvida, não temos a noção correta do uso da nossa tecnologia, que se transforma num brinquedo tão perigoso como entregar um automóvel do tipo Fórmula-1 a um menino sem habilitação para dirigir.

O que fazer, então?

Percebo um certo ar de superioridade, um certo ar de arrogância em determinados críticos, quanto às redes sociais.

O falecido escritor italiano Umberto Eco, mundialmente conhecido e aclamado, usou a palavra “legião de imbecis”, referindo-se pejorativamente às pessoas comuns, não intelectuais, que hoje povoam a net. “Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”.

Fiquei chocada ao ler esta declaração dele. Como assim ‘o mesmo direito à palavra’? As pessoas comuns, os ignorantes, os simples, os que não têm reconhecido valor acadêmico pelas suas teses, os não-científicos, os que não ostentam diplomas não têm direito à palavra? Não seria isto uma suprema prepotência? Fico pensando como seria o mundo se somente a elite intelectual, os “Nobel” pudessem emitir suas opiniões... uma ditadura intelectual?

Por outro lado, podemos restringir o saber ao intelectualismo? E o saber prático, empírico de tanta gente simples? Como podemos desdenhar, por exemplo, o saber indígena? Como podemos menosprezar o saber das curandeiras da antiguidade? O saber dos egípcios, dos maias? Como nos tornarmos cegos ao saber das pessoas simples do campo, cuja sintonia com os ciclos da natureza torna-as capazes de pressentir coisas das quais o homem “civilizado” nem suspeita?

“O problema da internet é que produz muito ruído, pois há muita gente a falar ao mesmo tempo”, diz Eco. Concordo com o ruído. Aliás, venho falando sobre ele desde que iniciei este blog (procure o título 2012 e o ruído das aves). Falei sobre o 9º trabalho de Hércules, quando, diante do pântano, o herói tenta ouvir a intuição para descobrir um meio de afastar as aves devastadoras, cujo coro dissonante perturba e ameaça a paz do mundo. Inspirado pelo eu interno, o herói faz soar repetidamente dois címbalos de bronze. O som potente dos címbalos confunde os pássaros, que fogem para não mais voltar. O címbalo simboliza o uso correto do som. Unindo a inteligência à intuição, Hércules utiliza-se do mesmo instrumento das aves (o som) para neutralizá-las e derrotá-las. Porque o som que destrói é o mesmo que cria... se usado da forma correta.

Como afastaremos o excesso de ruído? Reprimindo a voz do povo, censurando as redes sociais, como alguns apregoam? Não creio que seja esta a solução... além de ser um retrocesso, sabemos que tudo que se reprime ganha força. Ademais, o ruído está em todo lugar, não só na internet!

Somos uma civilização cada vez mais ruidosa, porque nossas mentes estão ruidosas. O barulho que emitimos vem de dentro... é o som das nossas sombras amordaçadas ao longo do tempo. A sombra que, tal como uma panela de pressão, deseja soltar seu vapor, para libertar-se da escuridão.

Venho batendo nesta tecla, e continuarei falando, porque é o meu dharma (*): olhemos para nós mesmos. O maior investimento que podemos fazer é investirmos na ampliação da nossa consciência.

Lembrando que é a consciência ampliada que permite a compreensão de que somos todos um. Estamos conectados a tudo e a todos. Assim, cada ser que realiza em si o trabalho de neutralizar as aves ruidosas internas, cada ser que decide encarar a própria sombra, deixando de projetá-la nos outros, influi em todo o conjunto da humanidade.

Cuidemos, irmãos. Partilhamos o mesmo barco. E ele está, realmente, ruidoso demais. 
E o ruído não está somente na net – está em toda parte. Vem das nossas mentes. 

(*) Dharma: do sânscrito. Dever, ação correta.

terça-feira, 2 de junho de 2020

Você realmente SABE o que é o fascismo?


Nestes tempos sombrios que vivemos, em que a Terra atravessa uma transição planetária importantíssima, vemos claramente os grupos humanos se perdendo em radicalizações estúpidas, uns acusando os outros, apontando o dedo, projetando, projetando, projetando...

É a sombra da humanidade, agigantada a um ponto crítico. Mostrando que o “parto” está próximo. Devemos nos parir a nós mesmos, se quisermos atravessar a névoa escura acumulada em nossas auto-ilusões...

Dentro desse oceano de instabilidade própria dos estertores da parição (que – diga-se – está sendo a fórceps), é comum vermos a vulgarização ou até – por que não dizer – a suprema leviandade de acusar as pessoas que pensam diferentemente de nós, atribuindo-lhes adjetivos pesados e, não raro, inapropriados.

Um exemplo bem comum dessas acusações, ultimamente, é o já corriqueiro “Fascista!”. Usa-se o termo hoje com a facilidade de quem diria: “Você é feio!” Basta pertencer a uma corrente contrária.

Estamos funcionando como tribos. Enquanto, paralelamente, pregamos (tudo na teoria) a tolerância, a ausência de preconceitos, parece que, por outro lado, isto só funciona se você for tolerante com “os nossos”. Para nós, tolerância. Para quem pensa diferente... o fascismo.

E o fascismo é algo tão grave... nem sabemos o que estamos dizendo... Alguém escreveu, apropriadamente, nas redes sociais: “O Brasil não é para amadores; aqui tem grupo antifascista composto por fascistas, que não sabem o que é fascismo...” (Mas... percebeu a contra-acusação por trás da frase? Pois é... mesmo sendo humor, continuamos acusando...)

Você realmente SABE o que é o fascismo?

Escolhi esta definição simples, do Brasil Escola, para nossa reflexão conjunta:

Mussolini
“O fascismo foi um movimento político que surgiu na Itália sob a liderança de Benito Mussolini, que assumiu o poder desse país a partir de 1922 com a Marcha sobre Roma.

O fascismo é entendido por cientistas políticos e historiadores como a forma radical da expressão do espectro político da direita conservadora. No entanto, é importante dizer que nem toda política praticada pela direita conservadora é extremista como o fascismo. Essa ideia também vale para o espectro político da esquerda, uma vez que nem toda política praticada por ela é radicalizada como o que foi visto pelo stalinismo, o regime totalitário liderado por Josef Stalin, entre 1927 e 1953, na União Soviética.”


Sejamos menos extremistas com aqueles que divergem de nós... há um excelente pensamento, atribuído a Clarice Lispector, com o qual encerro minhas considerações:

“Antes de julgar a minha vida ou o meu caráter, calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu percorri, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas e as minhas alegrias. Percorra os anos que eu percorri, tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu fiz.”