Bin Laden e a Sombra


Diz Jung: 


"Todo homem tem uma sombra e, quanto menos ela se incorporar à sua vida consciente, mais escura e densa ela será. De todo modo, ela  forma uma trava inconsciente que frustra nossas melhores intenções." 


"Onde o amor impera, não há vontade de poder; e onde o poder predomina, o amor está ausente. Um é a sombra do outro."




Nada como um bom assunto do momento para nos remeter a uma reflexão mais profunda sobre nós mesmos. Bin Laden, por exemplo. Tomado como a personificação do mal pelo Ocidente, a besta-fera do Apocalipse, etc. e tal, finalmente liquidado pelas forças ditas "do bem".

Não pretendo entrar em discussões sobre os papeis que cada lado representa (Al Qaeda versus EUA). Meu foco aqui é trazer essa figura que se chamava Bin Laden para a nossa vida comum. Sim, porque estamos repletos de "Bins Ladens" em nossas vidas, ainda não notaram? Assim como estamos repletos de justiceiros.

Não por um acaso, estou estudando o livro O Efeito Sombra, de três autores. Recomendo.

Pensemos. Toda vez que falamos mal de alguem carregando nas cores escuras e exagerando seus defeitos, estamos construindo um Bin Laden. Na verdade, não é preciso nem falar, basta pensar. A ciência já provou que a matéria é permeável. Somos mais do que sensíveis a todas as vibrações. E o pensamento é uma vibração. Ele nos afeta nos dois sentidos, usando a velha linguagem dual: para o bem (se ondas positivas nos chegam) ou para o mal (se ondas negativas nos chegam).

Às vezes ocorre de não querermos nem aproximação com alguem sobre quem nos foram ditas coisas negativas. Nem tivemos oportunidade de interagir com a pessoa, mas já colocamos uma barreira impedindo sua aproximação, porque "Fulano, meu amigo, disse-me coisas horríveis dela". Uma imagem sombria é criada e alimentada, à medida em que mais e mais pessoas se agregam à experiência de outra.

Este é o princípio que perpetuamos, na nossa ignorância espiritual: projetamos o tempo inteiro nossa sombra pessoal nos outros, como forma de fugirmos do único confronto que deveríamos enfrentar de peito aberto: o confronto com aquilo que temos guardado debaixo de sete chaves, no calabouço mais profundo do nosso ser: a nossa sombra.

Mas, afinal, o que é a sombra?

A sombra é um conjunto de medos, tristezas, sentimentos e impulsos indesejáveis, vergonhas, raivas reprimidas, culpas, desejos inconfessáveis, etc. É aquele aspecto do ego que gostaríamos de amordaçar pelos séculos amém. Por trás da sombra individual, que cada indivíduo carrega (admita ou não), existe a sombra coletiva. O racismo, por exemplo, é fruto da sombra coletiva. Essa sombra coletiva é a responsável pelos bodes expiatórios e pelas guerras.

"Ah, se fosse assim tão simples! Se houvesse pessoas más em um lugar, insidiosamente cometendo más ações, e se nos bastasse separá-las do resto de nós e destruí-las. Mas a linha que divide o bem do mal atravessa o coração de todo ser humano. E quem se disporia a destruir uma parte do seu próprio coração?" (Alexander Solzhenitsyn)

Tem sido mais cômodo fugir e projetar no outro aquilo que não queremos ver em nós. O dedo apontado para o outro, sempre para o outro, é o comportamento comum. O espelho está ali, sempre ali disponível. Mas, e a coragem de olhar para o próprio reflexo? A coragem de mexer na velha dor? O medo de saber que aquilo que está movendo o pior terrorista jamais encarnado neste plano não está somente nele... O pavor de constatar que as sementes do ódio são vírus que, longe de constituirem pragas privativas de um ser ou de um povo, são, isto sim, parte de todos nós, pois somos um único organismo, uma única humanidade. Mais: somos um só ser, das estrelas mais inimaginavelmente distantes à poeira grudada no nosso sapato. Alguem duvida? Pois já existem estudos científicos comprovando essa espécie de "malha cósmica" em todo o universo, unindo absolutamente tudo e todos.

A maioria de nós ainda não percebeu, mas o fato é este: não há saída. Melhor dizendo: não existe saída para fora e sim para dentro. Não existe saída para este modelo de civilização, voltado para fora. Ou paramos de projetar e voltamos o foco para a nossa cara ou iremos sucumbir como humanidade. A grande revolução pregada por todos os místicos, filósofos e iluminados é esta: olhar para dentro. Ao criar coragem e olhar, a luz invade a sombra e então descobrimos que não havia o que temer! Luz é consciência, luz é liberdade! Aquele monstro escuro guardado e amordaçado evapora-se no ar ante a luz purificadora da consciência.

E como trazer consciência para a sombra? O primeiro passo é prestar atenção, muita atenção mesmo, às nossas atitudes diárias, aos nossos hábitos diários, às nossas reações. Aquele comportamento do fulaninho que nos deixa irritados é um bom começo. Tudo o que nos irrita ou enraivece constitui um material muito bom para exame e reflexão. Por que eu deveria me irritar? (Esta seria uma boa pergunta, já que o que não está em mim não me afeta...).

Trazer o olhar sempre para si é uma tarefa dificílima, mas primordial. Em vez de explodir em cima do outro, parar, respirar e pesquisar os motivos da ira. Deixar de viver mecanicamente, deixar de falar mecanicamente. Refletir, refletir sempre. Entrar fundo naquilo que move nossas emoções. Meditar. Ficar consigo mesmo alguns minutos por dia, ouvindo uma música relaxante, ou admirando a natureza. São tantas as técnicas para mergulhar em si mesmo!

Os Bins Ladens não estão fora... os "justiceiros" também não...