domingo, 12 de janeiro de 2014

Vida Monástica e Ilusão

Muitas pessoas, cansadas da vida mundana ou cansadas dos reveses da vida ordinária, das injustiças, da falta de reconhecimento, passam a acalentar dentro de si a ilusão de que, se passarem a viver uma vida monástica, se conseguirem se mudar para um ashram onde possam viver em grupo, seguindo rígidas normas, vão se tornar iluminadas. Neste pensamento vai embutida uma ambição muito forte, a ambição espiritual - a mais difícil de ser extirpada do coração do buscador.

Ter ou não uma vida monástica, participar ou não de um ashram é uma decisão pessoal. Qualquer estilo de vida que o buscador decida adotar é o estilo de vida que ele precisa para o momento dele e não deve ser condenado. Há monges, santos e iluminados que atingiram sua autorrealização utilizando o instrumento da vida monástica. Porém... libertação para uns poucos, prisão para muitos: se não for extirpada a ambição, se não houver uma rigorosa auto-observação, os mosteiros e ashrams servirão apenas de gaiolas de almas.

Tendo passado por vários ashrams e pesquisado intensamente a alma humana, o filósofo britânico ainda pouco conhecido Paul Brunton (1898-1981) nos deixou reflexões valiosas. Ele, que percorreu a Índia, nos anos 30, encontrando iogues e homens santos, bebendo de todas as fontes, sentiu uma profunda atração pelo líder espiritual Shankaracharya e por Sri Ramana Maharshi, o Sábio de Arunachala (não confundir com o Maharish Mahesh Yogi).

Brunton deixou alguns livros publicados e um legado de escritos que refletem sua grande sabedoria, encoberta num modo de viver simples, tranquilo, sem holofotes ou busca de reconhecimento mundano.

Aqui estão algumas das suas pérolas sobre a armadilha da vida monástica:  
  • Se as pessoas desejarem praticar a ética filosófica e por em prática os ideais filosóficos, não precisam nem devem viver reunidas em pequenas comunidades ou mosteiros. Elas podem e devem fazê-lo exatamente no lugar onde estão. Tais comunidades acabam por se desagregar, tais mosteiros por se deteriorar. (...)Na verdade, a experiência nesses locais mostra como é tola a noção de que neles realmente se promove o avanço espiritual de seus membros. É aí que se evidencia a diferença vital entre filosofia e misticismo. A filosofia é um ensinamento que pode ser aplicado a toda e qualquer situação da vida. Não é algo que possa resistir somente em estufas artificiais.
  • O caráter ascético transforma-se facilmente em caráter farisaico. O caráter monástico facilmente passa a depreciar aqueles que vivem no mundo e a se vangloriar por adotar um modo superior de vida. Tudo isso não é necessariamente verdade.

  • Não é provável que uns poucos sonhadores que se escondem do mundo, receosos de enfrentar a vida cotidiana, influenciem ou elevem esse mundo.

  • Outro perigo desses retiros monásticos é o de cair numa letargia piedosa de suposta renuncia, que é tão inútil para o místico quanto estéril para a humanidade.

  • O fato é que o homem carrega a si mesmo onde quer que vá, que o verdadeiro trabalho a ser feito deve realizar-se no interior de seu coração e de sua mente, não no interior de um ashram, e que tal transferência geográfica não tem nem mesmo metade do valor que seus defensores julgam ter.
  • O ambiente por si só não traz iluminação espiritual. Você pode permanecer num ashram até o Dia do Juízo e sair tão escuro como entrou. A menos que sejam estabelecidas condições interiores adequadas, a menos que a mentalidade e o caráter tenham sido preparados e purificados, viajar p/ o Oriente ou sentar-se aos pés de gurus pode levar apenas a uma alucinação de iluminação.
  • Um ashram deveria ser um lugar onde se pudesse usufruir os benefícios de uma atmosfera espiritual, da discussão metafísica, da meditação mística e de uma vida exemplar; mas, infelizmente muitas vezes a distância entre o que é e o que deveria ser é grande demais para ser ignorada. Aqueles que buscam pequenas utopias em pequenos ashrams podem encontrá-las, porém somente a custa de substituir a realidade pela imaginação. Os crédulos consideram isso fácil. Confortavelmente acomodados, meio adormecidos ou sonhando o tempo todo em seus ashrams, o que significou a guerra para eles? Nada, pois na verdade seu estrondo não chegou até suas vidas complacentes.

  • A mente continuamente voltada p/ si mesma tende com o tempo a exagerar a própria importância. É por isso que os ascetas e monges são muitas vezes um pouco desequilibrados ou excessivamente obsecados por si mesmos.
  • O fracasso em conseguir a elevação moral no mundo fora dos locais de retiro é comparável ao fracasso da luta moral que existe no pequeno mundo deles.
  • A lei da compensação atua em todos os lugares. Se o discípulo se julga superior pelo fato de viver num local sagrado de retiro ou de estar ligado a um mestre, existe o perigo de ele cair na ilusão de um rápido progresso, quando de fato não há nenhum. Pois, diante do estímulo emocional oferecido por tal local ou por tal mestre, ele pode naturalmente sentir que está agora num nível de caráter, de espiritualidade e até de consciência muito superior ao anterior. Em certo sentido, esse sentimento é verdadeiro. Ele não se dá conta, entretanto, de que esse estímulo um dia será retirado (aqui não é necessário explicar como nem por que), de que essa condição é apenas temporária e de que ele é realmente como um homem que se expõe ao sol e imagina que o calor e a luz irradiam dele e não de uma fonte exterior.
PAUL BRUNTON, Relax e Solitude (págs 304 e 305)

*Agradecimentos à nossa amiga Gena Teresa pelo envio.

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