A passeata é contra você, sabia?
(Publicado por Andrea Cortiano em 21 junho 2013 às
1:02 em JORNAL CELESTIAL)
Renato
Kaufmann, 18 de junho de 2013
O brasileiro se levantou contra toda essa corrupção e
violência. Um senso de indignação generalizado, de já ter tolerado demais,
apanhado demais.
Mas se você foi à manifestação e usa carteirinha de
estudante para ter meia-entrada, mas não é estudante, você é parte do problema.
Você não tem moral para reclamar da corrupção deste país. O nome disso é
hipocrisia. (Reclame mesmo assim, por favor, porque são dois
problemas diferentes.)
Se você joga bituca de cigarro no chão, você trata a
cidade como o seu lixo particular. Mas a cidade é de todo mundo. As ruas estão
nojentas e a culpa é sua. A manifestação é contra você.
Ah, você é ciclista, todo orgulhoso de ser sustentável,
um carro a menos, menos trânsito e CO2. Você reclama da opressão do carro, mais
forte, contra a bicicleta, o mais fraco. Mas você não para no sinal. Não
respeita a faixa de pedestres. Você até anda na calçada, tornando-se o opressor
do pedestre.
Não se iluda: a manifestação é contra você.
Você leva o cachorro para passear e não recolhe o cocô.
Ninguém admite, mas o resultado está aí: nossas calçadas são um mar de merda.
Calçada não é a privada do seu totó. A manifestação é contra você.
Você joga papel no chão, e não faltam desculpas para não
fazer o que é certo. Essa merda de prefeitura que não instala lixeiras, né? Ou,
saída de estádio, você toma uma cerveja e joga a lata por aí. Ah, todo mundo
estava jogando. Depois vem o cara limpar.
A responsabilidade não é do estado. É sua.
E você, manifestante, não pode se esquivar a ela nos
outros 364 dias da sua vida. A manifestação é contra você.
Você não cumprimenta o porteiro. Você exagera
horrivelmente no perfume e invade o nariz do outro. Você dirige bêbado. Você
põe um escapamento super barulhento na sua moto, que dá para ouvir a
quarteirões de distância, incomoda todo mundo e compra um capacete que ajuda a
isolar o som. Você obriga todo mundo do ônibus a ouvir a sua música. Você
suborna o guarda ou qualquer outro serviço público. Ou ainda, você escreve
textos como este, apontando o dedo contra delitos que já cometeu ou ainda
comete, achando que dedo em riste exime você da responsabilidade.
Você é parte da violência. Você é parte da corrupção. Se você não mudar, o país não vai mudar. Mas não
adianta todo mundo apenas demandar que “o poder” conserte as coisas.
Quer mudar o país? Não esqueça de mudar a si mesmo, e
pagar o preço da mudança, como um adulto.
Então, vai pra rua, que estava na hora. Mas não esquece:
a manifestação é contra você.
*Inspirado em um texto lindo e corajoso da Duda Buarque.
Imagem: Fabio Mota (Estadão).
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